Entre o ódio e o amor
Queridos amigos,
Acabo de receber uma carta ilustrada com desenhos originais de Mário Vitória que muito me impressiona. As suas figurações que logo tomam todo o espaço com vertiginosos galopes, e com violentas cenas de ódio e de amor. Este desenho de uma inexorável correcção desencadeia a imaginação. Tudo isto parece ter a ver com a louca história de todos nós, os que nos designamos por humanidade.
Tudo isto que toma o espaço deste apartamento se espraia ao que julgo as dimensões da pintura mural lá no Porto onde o autor vive e trabalha. Sendo o Porto uma cidade onde as Artes tem um certo espaço não me lembro de ver referências a esta obra que só poderá excitar mais a minha curiosidade. Atravessamos um momento de grande fome e não deveria ser possível economizar a atenção a este reflexo do tempo.
O que escrevo é a partir de insuficientes fotos. Os meus 91 anos não me têm possibilitado uma deslocação ao Porto. Estes poucos elementos que possuo não me deixam no entanto ficar indiferente, pois não é vulgar neste espaço geográfico tão restrito conquistar espaço afirmativo, para além do que permite a moldura do espaço do atelier.
A verdade é que de facto, cada minuto é infinito e é isso o que nos diz Mário Vitória apesar da sua juventude. Este espaço é o espaço imenso da história que sempre se repete incansavelmente. A mesma linha corre do ódio ao amor acompanhada de forma simbólica pela revelação da cor e do som.
Como é possível que a pintura daqui seja designada como sendo do Porto ou de Lisboa? Trata-se de brincadeiras trágicas, em que afinal se esquece o principal que seria o grande salto sobre esta apertada fronteira. O que desejo vivamente é que este autor não se fique no jogo por demais ridículo de ser uma celebridade do Porto ou uma celebridade de Lisboa. E tendo sempre presente esta obra que com tal força começa.
Artur Cruzeiro Seixas, março 2012